Rotina de Boteco
É isso mesmo: estou há dois meses sem escrever. Exatos dois meses que nadinha acontece. Nada. Sem exagero.
Resumindo a vida por aqui: parede do quarto, parede do banheiro, telas, reuniões de equipe, reuniões com clientes, geladeira, microondas, paredes do banheiro, telas, paredes do quarto e tudo recomeça num looping perfeitinho, mas nada perfeito. Meu auge são as taças de vinho em dias selecionados — e a esses nomeio diversão.
Caralho, que saudade de mim. Não de mim de mim, porque estou sempre comigo, mas de mim num fluxo natural de vida. E neste fluxo há um momento específico da qual eu sou muito eu: parada naquele vão entre a calçada e a rua — um pé na calçada e o outro na rua, balançando e jogando o peso do corpo cada hora num pé -, na frente de um boteco qualquer, contando uma das minhas histórias mais engraçadas, talvez a mais recente, gesticulando muito e até imitando os personagens. Rindo alto não só da história, mas de mim mesma, com o copo americano na mão.
E me observando desse ponto de vista, de quem vê e não de quem sou, um tanto quanto desvairada.
Se o copo fica vazio, grito “ô fulano, traz mais duas garrafas dessa aqui pra nóis!” — eu já teria descoberto o nome do garçom, claro. Não suporto quem chama de “ô grande” ou “chefe”, vocês sabem do que estou falando — levantando e mostrando o litrão já bebido. O grito teria chamado a atenção do cara da roda vizinha, do qual eu já teria reparado. A gente se entreolharia muito rapidamente e eu pensaria “ai gente, será que ele tá a fim de mim também?”, enquanto, muito provavelmente, ele só teria pensado “internem essa maluca”.
Fato é que eu não me atreveria a encará-lo jamais. Fingiria completa indiferença, salvas as olhadelas de canto de olho. Trinta anos essa que vos escreve, e não há sequer um gole de atitude, nem mesmo no fundo do copo americano. ‘Precisamos mudar isso aí’, digo para mim mesma desde que descobri o que é homem e beijo na boca. Seguimos.
Enquanto eu não olho, imagino altas, até que o Mozão decide ir embora. Tem frustração, sim, mas só até o próximo cara. Saudade de viver essas histórias com outras pessoas que nem sabem que viveram comigo, mas viveram. A real é que para nós, solteires, essas flertadinhas — quais? — são gostosinhas demais.
A noite seguiria eu nem sei pra onde. Pode ser que só tenhamos ficados ali pelas próximas quatro horas, chapados e rindo sem parar. Ou poderíamos ser encontrados naquele karaokê na Peixoto Gomide, naquelas festinhas na Treze de Maio, ou naquele bar de refugiados na Bela Vista.
[…]
Parede do quarto. Que saudade de mim.